Mudanças climáticas encurtam o período de floração e de frutificação de espécies do Cerrado
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- há 23 horas
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Por: Gabriela Andrietta
Durante a COP30, realizada em Belém (PA), as discussões sobre os desafios que envolvem as mudanças climáticas estão no centro dos debates, reforçando a importância da ciência para o entendimento de como os ecossistemas estão sendo impactados por essas transformações.
Embora estudos que avaliam os efeitos das mudanças climáticas sobre as vegetações tropicais e sua fenologia ainda sejam escassos, pesquisas de longa duração possibilitam uma análise detalhada sobre as mudanças significativas na fenologia (época dos eventos recorrentes no ciclo de vida, como floração e frutificação) das plantas. Um estudo, realizado por pesquisadores da Unesp, revelou que as mudanças climáticas estão alterando o ritmo reprodutivo das plantas do Cerrado. Ao longo de 15 anos de observações mensais (2005–2019), os cientistas constataram que a duração do período de floração e frutificação das espécies diminuiu significativamente, especialmente entre aquelas que dependem de polinizadores, principalmente abelhas, para se reproduzir.
O artigo "Climate-induced shifts in long-term tropical tree reproductive phenology: Insights from species dependent on and independent of biotic pollination”, publicado recentemente na revista Functional Ecology, analisou 31 espécies de árvores e arbustos do cerrado sensu stricto em uma área de vegetação nativa, em Itirapina (SP). O trabalho faz parte do Programa de Monitoramento Fenológico de Longa Duração do Cerrado, do Laboratório de Fenologia da Unesp Rio Claro, coordenado pela Profa Patricia Morellato, e é parte da tese de doutorado de Amanda Eburneo Martins.
A professora da Unesp de Rio Claro e diretora do CEPID (Centro de Pesquisas em Biodiversidade e Mudanças do Clima), o CBioClima (Processo FAPESP número 2021/10639-5), Patrícia Morellato, explica que a fenologia deste projeto de longa duração é mais detalhada e complexa do que aqueles que usualmente são feitas em países temperados. Segundo ela, “a metodologia que usamos aqui nos trópicos é diferente daquela aplicada no hemisfério norte. Lá, eles utilizam o que chamam por exemplo de First Flower (primeira floração) e First Leaf Bud (primeiro aparecimento de um broto foliar). Eles simplesmente anotam essas ocorrências pontualmente não se tratando, na maioria dos casos, de indivíduos marcados. É apenas uma observação cronológica ao longo do ano. Obviamente, eles têm séries de muitas décadas, mas a fenologia que fazemos aqui é muito mais detalhada. Nós vamos ao campo pelo menos uma vez por mês e marcamos todas as fenofases: o primeiro botão, a flor aberta, o primeiro fruto verde, o fruto maduro, o primeiro broto foliar, a proporção de folhas novas, a produção de folhas e a queda delas. Ou seja, observamos muito mais fenofases e acompanhamos continuamente indivíduos marcados. Isso traz um detalhamento e uma sofisticação maior aos dados, embora, é claro, em áreas mais reduzidas. Por outro lado, esse tipo de acompanhamento permite uma análise mais consistente ao longo dos anos.”
Esse estudo indica claramente que estamos observando respostas das plantas relacionadas às mudanças recentes no clima, como o aumento das temperaturas e ao prolongamento da estação seca, que está se tornando cada vez mais seca e mais longa, explica Patrícia.
Segundo Amanda Eburneo Martins, primeira autora do artigo, "as espécies que dependem de animais para a polinização apresentaram redução no tempo de duração da floração ao longo dos 15 anos, em resposta à diminuição da precipitação. Já na frutificação, fase em que os frutos se desenvolvem e amadurecem, a duração diminuiu tanto em espécies dependentes quanto independentes de polinizadores, sendo afetada pelo aumento da temperatura média e pela redução da umidade relativa do ar."
Essa diminuição ocorreu principalmente no final do período reprodutivo, já que as datas de início e de pico da floração e frutificação permaneceram estáveis. Isso indica que, embora as plantas continuem iniciando seu ciclo reprodutivo nas mesmas épocas do ano, estão florescendo e frutificando por menos tempo.
"Com menos tempo de floração, há menor disponibilidade de recursos florais para os polinizadores destas espécies vegetais, como as abelhas. Da mesma forma, a redução na duração da frutificação pode comprometer o estabelecimento de novos indivíduos vegetais e diminuir os recursos alimentares para espécies frugívoras que se alimentam de frutos e dispersam sementes, o que pode afetar a regeneração das plantas e o equilíbrio do ecossistema do Cerrado.”, explica a autora.
Outro resultado relevante é o declínio da co-floração — ou seja, da sobreposição de períodos de floração entre espécies diferentes. Esse padrão foi observado tanto em plantas dependentes quanto independentes de polinizadores. Como a maioria das espécies estudadas é polinizada por abelhas, a redução da co-floração pode aumentar a competição por parte dos polinizadores por plantas e por parte das plantas por polinizadores já que há menos flores disponíveis simultaneamente. Outra interpretação é que a redução de flores naquele período pode atrair menos abelhas, afetando potencialmente a reprodução das espécies.
Apesar dessas mudanças, o estudo constata que o sucesso reprodutivo da comunidade permaneceu estável ao longo do período analisado, indicando que, até o momento, as espécies do Cerrado estudado demonstram certa resiliência frente às mudanças climáticas recentes. Essa resiliência pode estar relacionada a adaptações evolutivas antigas, desenvolvidas durante períodos climáticos extremos do passado, como as oscilações do Pleistoceno [período geológico que se estendeu de aproximadamente 2,6 milhões a 11,7 mil anos atrás, marcado por intensas mudanças climáticas] e que hoje podem conferir uma vantagem adaptativa diante das mudanças climáticas atuais.
O Cerrado, em especial, é uma das regiões mais impactadas pelas transformações ambientais, marcada por uma intensa expansão agrícola, acrescenta Morellato. “Essa expansão avança em direção ao norte, formando o chamado ‘arco da devastação’, que representa a fronteira entre o Cerrado e a Floresta Amazônica, na região central do Brasil. Por isso, é essencial compreender o que está acontecendo com o Cerrado e reconhecer sua importância em toda a sua área de distribuição.” De acordo com a pesquisadora, dados climáticos mais detalhados, integrados a informações sobre comunidades vegetais e animais, são o foco de um novo artigo que deve ser publicado em breve. Outros estudos também estão sendo desenvolvidos. “Estamos realizando análises semelhantes em outros tipos de florestas, como na Amazônica e campos nativos. Já temos séries de dados amazônicos ainda mais longas, e isso será extremamente relevante para compreender os efeitos das mudanças climáticas em diferentes biomas brasileiros."

Ouratea spectabilis (espécie nativa do Cerrado)
Crédito da fotos: Amanda Eburneo Martins.



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